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Já parou para pensar quantas vezes por dia você checa seu WhatsApp, seu Facebook e as outras redes sociais? Quantas horas por dia você gasta nessa comunicação? E quantas vezes no dia você escreve na modalidade formal, em situações de trabalho, exames etc.? Você já passou por algum mal-entendido ou não conseguiu se expressar como gostaria? E as figurinhas, os emojis e os temidos áudios? Parou para pensar nas características desta língua portuguesa praticada nas redes? A escola costuma abordar esse assunto? E as chamadas fake news, como ganham tanto espaço nas redes? Muitas perguntas, não é mesmo? Vamos tentar destrinchá-las aos poucos ao longo deste texto. Vamos juntos!
Primeiramente, gostaria de convidá-lo(a) ao debate. Ao longo do texto, teremos perguntas destacadas para que você, leitor(a), interaja comigo, trazendo suas experiências. Terei imenso prazer em conversarmos.
Iniciemos a conversa falando sobre o papel da escola em nossas vidas. Eu te proponho, leitor(a), a viajar no tempo e reviver a época em que era aluno no ensino fundamental e médio.
- Como eram as aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira?
- A língua portuguesa informal era trabalhada em sala ou apenas aquelas classificações de frases descontextualizadas do tipo: “Oração subordinada substantiva objetiva direta”?
- Ah, aquelas redações com temas totalmente desinteressantes aos nossos olhos de adolescentes?
A importância de falar sobre a língua informal na escola
É comum, até mesmo nos dias de hoje, que as escolas deem ênfase apenas no ensino da língua portuguesa padrão, formal, já que os tal “prestígio e respeito sociais” só chegam, segundo essa visão, quando sabemos escrever e falar “corretamente”. Mas o que seria esse “corretamente”? Em tempos que criadores de conteúdo digital fazem sucesso e ganham milhões (de seguidores e de reais) usando uma linguagem informal, como convencer os estudantes de que a língua padrão ainda é necessária?
A pandemia e o ensino remoto trouxeram à tona diversas discussões necessárias, mas que estavam caminhando lentamente, como a importância do uso efetivo dos recursos da internet na educação. Não podemos deixar de lado o que acontece nas redes, mantendo a escola como se estivesse em uma bolha, fora de toda a realidade que nos cerca e utilizando apenas conteúdos engessados e listados burocraticamente em planos de ensino. A forma como professor e aluno se comunicam hoje, em meio à pandemia, é completamente diferente da forma de antes. Então, aproveitemos a oportunidade para levar o foco às próprias formas de se comunicar utilizando a grande rede.
PNLD 2021 – Objeto 2: Acesse a obra “Práticas de Língua Portuguesa“.
O “internetês” e seus exemplos
Por falar em comunicação na internet, você conhece bem o “internetês”? Sabe do que estou falando? O chamado “internetês” é a linguagem utilizada na internet e, apesar de muitos discordarem, apresenta uma enorme gama de recursos comunicativos, enriquecendo ainda mais nossa língua. Frequentemente, atribui-se a essa linguagem a definição de “um monte de palavras abreviadas”, quando, na realidade, há muito mais do que isso.
Só para exemplificar, perceba a sutil diferença entre as duas conversas:
No caso acima, a inserção dos chamados “emojis” ao final da resposta muda completamente o teor da mensagem. Se, no primeiro caso, a resposta pareceu fria, representando uma má vontade do autor(a), no segundo, ela traz um caráter de carinho e de gratidão pela pergunta feita. Vejamos outra situação recorrente:
Mais uma vez, vemos que o emoji muda totalmente o sentido da frase, tornando-a irônica, passando a ideia de que o autor pensa exatamente o contrário do que escreveu anteriormente, pois está brincando.
Trago apenas dois exemplos, mas poderíamos citar infinitas situações de interlocuções diárias informais às quais estamos expostos e que não são trabalhadas nas escolas. É quase de conhecimento geral, que esses emojis servem para suprir um pouco a falta da expressão facial na comunicação via mensagens de texto escritas nas redes sociais, mas seu uso efetivo e a mudança semântica que ele traz são, ainda, pouco estudados.
Percebemos claras diferenças no emprego da língua portuguesa informal e que são muito importantes de serem percebidas e estudadas na escola. A fragmentação ilustrada na primeira situação é muito comum nas redes sociais e nos traz diferentes intenções do autor. Uma delas (e talvez a principal) é manter a atenção do interlocutor. Ao receber frases pequenas, uma de cada vez, a pessoa com quem falamos tende a se manter ali, atenta, preservando o dinamismo da conversa e não se dirigindo a outro interlocutor ou a outra mídia no próprio celular.
No segundo caso, em uma mensagem grande e única, o leitor pode se perder após a primeira mensagem e acabar se dispersando, já que perceberá que o autor está há muito tempo “digitando…”. E aí, quais outras características do internetês você percebe? Traga para que possamos conversar e, quem sabe, estudarmos juntos!
Por que é interessante para o aluno trabalhar isso em sala de aula?
Minúcias como essas apresentadas nos exemplos anteriores, ao serem trabalhadas em sala, além de atraírem a atenção do aluno por estarem inseridas em um meio de comunicação que faz parte de seu cotidiano, trazem uma atenção que normalmente não temos para a língua escrita. Ao notar como detalhes do texto nos trazem pistas sobre seu autor, o estudante da língua passa a encará-la como algo vivo, pulsante, não como algo chato que se tem de aprender por obrigação.
A constante mudança da língua e formas de comunicação
“Ah, então você quer dizer que não precisamos mais aprender o português padrão?” Nada disso, caro(a) leitor(a). O que quero dizer é que, tanto nos tempos em que éramos adolescentes em nossas escolas quanto hoje em dia, na era das redes sociais, é importante que conheçamos as diversas formas que nossa língua assume, em uso efetivo, contextualizada.
Na realidade, a escola prioriza a língua padrão por diversos motivos, como a manutenção do poder por parte daqueles que a dominam, como se somente ela fosse importante. Mas qual é a variante que mais utilizamos no dia a dia? É com a língua formal que conversamos com as pessoas oralmente, via redes sociais? O que quero mostrar é que, apesar da indiscutível importância da variante padrão da nossa língua, na grande parte do tempo, é com a linguagem informal que nos comunicamos, por isso ela também precisa ser trabalhada em sala de aula.
O papel da escola no ensino de Língua Portuguesa
Mas você ainda pode me questionar: “a modalidade informal eu já conheço, uso todos os dias, só preciso aprender a formal”. Mas, será mesmo que você sabe utilizar tão bem assim a língua informal? Conhece seus detalhes? Nunca passou por um constrangimento ao tentar se fazer entender em uma situação corriqueira? Orientar como se comunicar bem e vestir a roupagem adequada a cada contexto de uso também é função da escola e é para isso que estudamos tantas disciplinas a respeito do comportamento humano.
O autor Martin Puchner, em sua obra “O mundo da escrita – como a literatura transformou a civilização” (cuja leitura recomendo), alerta que as revoluções em tecnologias de escrita não ocorrem frequentemente no mundo, citando apenas três grandes momentos: a revolução do alfabeto; a revolução do papel; e a revolução da impressão. Para o autor, possivelmente uma nova grande revolução está em curso:
Está claro que nossa atual revolução tecnológica está lançando para nós, a cada ano, novas formas de escrever, de e-mails e e-readers a blogs e tuítes, mudando não só o modo como a literatura é distribuída e lida, mas também como é escrita, à medida que os autores se ajustam a essas novas realidades. (PUCHNER, 2019, p. 20)
Ao longo do tempo, nossa língua vem evoluindo, a cada mensagem, a cada conversa, seja ela oral ou escrita, de modo a atender às nossas necessidades diárias. Ignorar esse movimento como se ele não existisse é ignorar a história da comunicação humana. Não devemos ter medo de que o português chamado padrão seja afetado pelas modalidades informais, mas grande atenção a todas as novas formas que surgem.
Como buscar e trabalhar os textos de redes sociais na escola
Buscando maiores investigações sobre as novas modalidades de escrita, podemos então, analisar conversas em redes sociais, levantando as hipóteses dos motivos que levaram os autores das mensagens a se utilizarem de determinados recursos, como emojis, figurinhas, áudios, pausas mais longas, etc.
Também a partir de textos informais e trabalhar com nossos alunos recontextualizações dos mesmos, simulando novas situações em que há a necessidade do uso da língua formal. Uma atividade, por exemplo, seria levar uma conversa abreviada e fragmentada do WhatsApp para uma argumentação dentro de uma redação escolar, em que teríamos de explicar a necessidade de uma linguagem formal, com uso de conectivos, sem emojis etc. O movimento contrário também seria possível, transformando um texto mais formal em uma conversa de rede social, a fim de mostrar a riqueza dos recursos imagéticos e como se pode utilizar a língua de forma mais criativa. As possibilidades são infinitas!
Como buscar e trabalhar os textos de redes sociais na escola
Buscando maiores investigações sobre as novas modalidades de escrita, podemos então, analisar conversas em redes sociais, levantando as hipóteses dos motivos que levaram os autores das mensagens a se utilizarem de determinados recursos, como emojis, figurinhas, áudios, pausas mais longas, etc.
Também a partir de textos informais e trabalhar com nossos alunos recontextualizações dos mesmos, simulando novas situações em que há a necessidade do uso da língua formal. Uma atividade, por exemplo, seria levar uma conversa abreviada e fragmentada do WhatsApp para uma argumentação dentro de uma redação escolar, em que teríamos de explicar a necessidade de uma linguagem formal, com uso de conectivos, sem emojis etc. O movimento contrário também seria possível, transformando um texto mais formal em uma conversa de rede social, a fim de mostrar a riqueza dos recursos imagéticos e como se pode utilizar a língua de forma mais criativa. As possibilidades são infinitas!
O papel da escola para supervisionar as fontes de informações
É importante trabalharmos não apenas os textos produzidos nas redes sociais, mas também os compartilhados. Lidar atualmente com a enxurrada de informações, muitas falsas, que recebemos diariamente. A escola trata disso? A meu ver, é essencial que o professor oriente seus alunos sobre como proceder ao receber informações pelas redes. Alguns pontos importantes de serem verificados:
- Qual a origem da informação? O site é conhecido? A matéria é assinada por alguém?
- Como é a linguagem empregada? Há exageros, informações muito fora da realidade?
- Há posições políticas claras naquela informação?
- Há fontes científicas? (se for o caso)
- Existem outros sites que tratam da matéria?
- Se for alguma informação que demande opinião, quais são os outros pontos de vista acerca do tema?
Caso consigamos alertar nossos alunos sobre esses pontos, tornando-os minimamente desconfiados, já teremos exercido um importante papel, já que trabalhar com essas informações e o contexto em que elas acontecem é, também, exercitar a interpretação de textos, tão importante quando tratamos do ensino de língua.
A mudança em nosso cérebro com a revolução dos textos na internet
Maryanne Wolf, em sua excelente obra “O cérebro no mundo digital”, traz diversos alertas sobre a nova configuração que nossos cérebros vêm assumindo por conta da revolução dos textos veiculados pela internet. Há, indiscutivelmente, uma dificuldade maior de concentração em textos mais longos, profundos, somada à proliferação de textos falsos, versões pessoais da realidade. Ela, então, discorre:
Temos de usar nossa própria base de conhecimento ao colher a informação nova e interpretá-la com inferência e análise crítica. Os contornos da alternativa parecem claros: tornar-nos-emos seres cada vez mais suscetíveis de ser guiados por informações às vezes duvidosas, às vezes falsas, que confundimos com conhecimento ou, pior, tanto faz se são conhecimento ou não. (WOLF, 2019, p. 69-70)
Como então lidar com a situação? Seria ela irreversível? Além desse novo contexto em que vivemos, não podemos ignorar algumas dificuldades quando tratamos dessas informações, como o fato de muitos de nossos alunos não terem plano de telefonia com acesso ilimitado à internet como um todo, somente a redes sociais. Isso os impede de verificar a veracidade dos fatos e, junto ao dinamismo proveniente das redes e à vontade de serem disseminadores de novidades, eles acabam por compartilhá-las indevidamente.
Conclusão
Bom, há muitos pontos a serem discutidos ainda, mas que ficarão para as próximas oportunidades. Ampliemos essas discussões nos comentários, pois ficarei muito feliz de conversar e trocar experiências com todos vocês. Fiquem à vontade para trazerem questões além das marcadas no texto. Ah, lembro que, apesar da urgência e da importância do tema, podemos ter uma conversa informal, então, caso queiram, fiquem à vontade para explorar a riqueza da língua e esbanjem criatividade com emojis, abreviaturas etc. Abs. Ou “abraços”! Rs.
Referências Bibliográficas
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PUCHNER, Martin. O mundo da escrita: como a literatura transformou a civilização. Tradução de Pedro Maia Soares. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 455 p.
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WOLF, Maryanne. O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. Tradução de Rodolfo Ilari, Mayumi Ilari. São Paulo: Contexto, 2019. 256 p.
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Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da informação e comunicação. Tem experiência em turmas do ensino fundamental e médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês.
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Recentemente, organizou, junto à professora Tania Chalhub, o livro “Reflexões de um mundo em pandemia: educação, comunicação e acessibilidade”, disponível gratuitamente no site da Editora Ayvu, neste link.
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